“Não quero prêmios, nem nada disso, o importante é exibir o filme”
[Vanessa Vendetta é uma jovem cineasta de São Paulo, autora do curta-metragem "Prisão", o único filme brasileiro exibido no 9º Festival do Filme Anarquista de Chicago, nos Estados Unidos. Ela falou à ANA, confira a seguir.]
Agência de Notícias Anarquistas > Você começou a se aproximar do cinema quando?
Vanessa Vendetta < Eu não sei delimitar exatamente quando ou como foi, mas já faz muito tempo. Sempre tive interesse por filmes B e aqueles que continham críticas a isso ou aquilo, isso me empolgava desde que eu tinha uns treze anos. Eu me inspiro muito no Cinéma Du Peuple, apesar de seguir uma linha diferente, Jean Vigo, Allan Parker, enfim, não é nenhuma novidade utilizar o audiovisual a fim de denunciar certas situações, e é também por esse motivo que vejo o cinema como uma ferramenta a ser explorada com finalidade libertária.
ANA > E a produzir filmes, quando foi?
Vanessa < Foi em 2006, mas escrevo roteiros desde 2004.
ANA > E como surgiu a idéia para o filme “Prisão” e porque você escolheu fazer um curta-metragem sobre este tema?
Vanessa < Acredito que é preciso estar conectado com o cenário atual para escrever um roteiro, captar quais são as necessidades do momento. A visão lançada no filme sobre sociedade patronal e pedagogia autoritária é algo que reduz a vida a sobrevivência, precisa ser observado e combatido, e, através do filme, é possível o espectador iniciar uma reflexão sobre suas próprias questões e tomar consciência de sua vida, claro que não será apenas um único filme que mudará todo o conceito falido que foi incutido no individuou, mas acredito que a arte pode ser usada como ferramenta de conscientização, para auxiliar as pessoas a retomarem a vida que lhes foi usurpada.
ANA > O filme foi locado onde? Quantas pessoas participaram da produção?
Vanessa < O filme foi locado em diversos lugares, até na minha casa. (risos) Mas todas as locações foram feitas na capital paulista. Participaram em torno de 15 pessoas, sem contar outros colaboradores.
ANA > E foi totalmente custeado por você?
Vanessa < Foi sim, mas eu dependi de locações que foram concedidas para a gravação, isso ajudou muito, mas foi aí que deu rolo também.
ANA > Ele participou do último Festival do Filme Anarquista de Chicago, não? Como se deu este contato...
Vanessa < Sim. O contato se deu através de troca de e-mails, depois enviei o filme, eles aceitaram e o exibiram na 9ª edição. Após o pessoal do Festival me enviou uma carta e convidou para participar da próxima edição, mas ainda não tenho nada em mente para enviar, estou indecisa, não gostaria de enviar qualquer coisa, é preciso que a obra tenha um conteúdo que interesse as pessoas de todas as partes do mundo.
ANA > O filme foi exibido em outros festivais?
Vanessa < Ainda não e não sei se enviarei para outros festivais, no entanto vou exibi-lo em diversos lugares, algumas pessoas se interessaram em exibir o filme em alguns locais, e pra mim é isso o que importa, não quero prêmios, nem nada disso, o importante é exibir o filme, passar a mensagem.
ANA > Ouvi dizer que você teve dificuldades na distribuição do filme pela internet, que uma grande empresa estava querendo interpelar sua obra. O que se passou?
Vanessa < Não apenas na internet, na realidade era a distribuição em qualquer meio de comunicação que não poderia ser feita. O que ocorreu foi que uma pessoa se sentiu atingida pela obra e achou que a obra era uma crítica a uma instituição x, de fato não tinha nada a ver, porque a obra é genérica, mas se a carapuça serviu para essa determinada pessoa... Enfim, ela queria bloquear totalmente a obra, tive que conversar muito com pessoas da instituição e no final consegui que o filme não fosse “engavetado”, mas tive que fazer alguns cortes e alterações. Toda essa situação foi muito dolorosa.
Eu acredito que é preciso ir a fundo, não entendo porque essa pessoa fez de tudo para censurar, pois denunciar apenas uma pessoa ou instituição não era o objetivo. A obra é geral, e mais, vai além do fato de que os professores servem como reprodutores da ideologia capitalista, pois os mesmos são as ferramentas, o que há por trás é todo um sistema hierarquizado e é necessário evidenciar isso, e o que é preciso fazer é encontrar brechas para romper essa fortaleza.
Bom, a verdade é que não é a primeira vez que uma obra minha foi “censurada” e eu tenho certeza que não será a última infelizmente, mas eu acredito que é possível utilizar do próprio veneno “deles” como ferramenta as avessas para “atingi-los”, portanto, irei persistir, e tudo isso só me torna mais forte.
ANA > Quer dizer que outros trabalhos seus foram censurados? Explica isso melhor... (risos)
Vanessa < (risos) É engraçado falar isso, mas, no fundo, é triste, porque de fato dois roteiros que escrevi foram vetados, por assim dizer. Um deles é um documentário longa-metragem que eu pretendo levar adiante ano que vem, mesmo com zero de recursos, porque se eu não depender de nada ninguém vai me impedir. Esse documentário relata os males tecnológicos, mas é bem direto e, por isso, gera polêmica, porque é cru e vai bem na ferida, não faz rodeios, aqui eu acho que cabe bem o que falei anteriormente, usar o veneno “deles” contra “eles”.
Isso me recordou o que uma amiga me disse ontem sobre o livro dela (com o qual aconteceu coisa similar): “É mais uma vez o grande braço de ferro”, é complicado que até hoje tenhamos que nos deparar com esse tipo de situação, isso precisa ser denunciado, porque os reflexos da ditadura estão aí, camuflados.
ANA > E você tem outras produções?
Vanessa < Tenho, mas ainda há muita coisa que eu gostaria de tirar do papel. Sou jovem e não conto com muitos recursos, mas isso é o de menos, porque não me importa a técnica e sim o conteúdo.
ANA > Falando em recursos, como você avalia essa dependência que o cinema nacional tem das Leis de Incentivo do governo federal?
Vanessa < Desculpa, mas senti vontade de rir, porque o cinema nacional fica nessa vergonhosa dependência mesmo e fazer cinema com leis de incentivo no Brasil é muito complicado, primeiro porque essas leis são uma bagunça, segundo porque são sectárias e terceiro porque se você está a fim de transformar sua obra inicial numa outra coisa pode ir fundo, mas se você quer manter tudo conforme o original pode esquecer, ou você segue as regras ou está fora.
Sinceramente eu considero sem chances de rodar um dos meus roteiros pela lei de incentivo, estou consciente de que temáticas como essas não possuem espaço, a não ser que o Walter Salles quisesse apoiar. (risos)
ANA > E as idéias anarquistas estão inseridas nos seus trabalhos?
Vanessa < Sim, elas são visíveis nos temas que eu gosto de abordar, a maior parte dos filmes, tanto os que já foram rodados quanto os que ainda são apenas roteiros são voltados para a luta e a conscientização.
ANA > Há alguma história ou personagem anarquista que gostaria de transformar em filme?
Vanessa < Nunca pensei em algum específico, eu penso na história anarquista em si, ou em determinado momento dela, esse tipo de coisa, mas não em uma pessoa em especial, acredito que abordar de maneira coletiva, sem colocar “um cabeça” (o que para leigos corre o risco de se assemelhar com a figura de um líder), seja mais interessante. Apesar de sempre ter existido pessoas de destaque em todas as épocas deve ser bem claro que isso não deve jamais se sobrepor sobre o movimento, porque o importante na história anarquista é relatar e sentir a coletividade.
ANA > E quais atores da atualidade convidaria para as filmagens?
Vanessa < Nunca me passou pela cabeça convidar alguém assim famoso vamos dizer. Prefiro que a oportunidade seja aproveitada por pessoas que são talentosas e não possuem reconhecimento na mídia, por pessoas que entendem e estão de acordo com o que o filme deseja transmitir, pessoas que como atores querem fazer da arte de interpretar uma ferramenta que auxilia para libertar.
ANA > Já pensou em fazer filmes infantis?
Vanessa < Tenho intenção de produzir filmes, livros e todo tipo de material voltado para as crianças. Percebo que não há muito material libertário voltado para as crianças, há material relatando a situação delas, mas não dirigido a elas, eu estou começando a me dedicar um pouco a esse tipo de material porque acredito que a criança precisa se conscientizar de suas questões e das que a cercam tanto quanto os adultos.
ANA > E há algum filme infantil que você assistiu que destacaria?
Vanessa < Eu destacaria algumas produções como “Olentzero e o Tronco Mágico”, apesar do tema meio natalino, o que não me agrada (apesar de o Olentzero ser uma figura pagã que foi “tomada” pelo cristianismo), eu acho que é uma produção que merece atenção, o foco principal é mostrar que os adultos perderam a noção de tudo e só pensam em dinheiro e mostrar também que, por conta de tanta ambição, destroem a natureza. Além desse há os básicos “Fuga das Galinhas” e “FormiguinhaZ”, existem críticas interessantes nesses filmes, mas acho que a informação neles fica muito pulverizada e que as crianças não conseguem captar exatamente o que há de melhor nessas produções.
ANA > As pessoas interessadas em exibir seu filme ou adquiri-lo, como devem proceder?
Vanessa < Bom, podem me enviar um e-mail [abaixo], mas eu não penso em comercializar o curta não, mas quem quiser exibir é só me enviar um e-mail para conversarmos, ficarei contente se houver mais interessados. É claro que se um coletivo ou espaço alternativo quiser exibir pode ficar a vontade.
ANA > A pergunta que não pode faltar. Porque você usa o codinome “Vendetta”? Alguma coisa a ver com o filme “V de Vingança”? (risos)
Vanessa < Sim e não. (risos) É porque eu não curto tanto o “V de Vingança” exatamente, porque eu acho que o filme possui uma imagem meio terrorista, mafiosa, estereotipada, entende, mas o nome é legal, porque combina com o meu, meu V de Vanessa é V de Vendetta. Mas Vendetta também tem um pouco a ver com a banda de thrash metal que eu curto muito e também tem a ver com o próprio sentido da palavra, porque o meu sobrenome é muito cristão e é de origem italiana também, então Vendetta foi uma boa troca, agora o resto, do porque da Vendetta, da vingança, fica por conta da imaginação das pessoas. (risos)
ANA > Mais alguma coisa?
Vanessa < O importante é ter consciência do que está acontecendo hoje ao nosso redor, o capitalismo é um “deus” em seus suspiros finais e se queremos driblar uma ditadura comunista e atingir a liberdade precisamos ir além e agir mais do que meramente para a finalidade artística, que apenas enaltece o ego do autor, porque toda a forma de arte também pode ser usada como um meio de conscientização, pois é possível mobilizar as pessoas utilizando a arte como uma ferramenta libertadora.
Quando as pessoas se conscientizarem, quando as opiniões mudarem, quando houver opiniões de fato refletidas pelas próprias pessoas e suas mentes estiverem livres, as massas estarão convencidas de que a sociedade de controle é desnecessária e maléfica, então, nesse momento, tudo voltará ao seu lugar natural. Haverá a harmonia coletiva desejada, fundamentada no respeito, no senso de comunidade e na liberdade.
Contato: vvendetta.cine@gmail.com
agência de notícias anarquistas-ana
Gaivota. Espuma instável.
Líquida turquesa: inunda os olhos
a marinha na parede.
Yeda Prates Bernis