O processo de resgate da individualidade, quando gerado na atmosfera de dependência emocional e submissão a nível sexo-afetivo, é mais lento do que se deseja, porém vale a pena. Como alternativa ao casal baseado no amor romântico, por que não estabelecer vínculos inclusive quando se está solteira?
“O amor é pornografia extrema e as delícias de seus males devem estender-se em um processo de nudez contínua.” Warbear
Me apaixonei por mim mesma e me dei conta de que cheguei na fronteira das minhas possibilidades. Porque há ocasiões em que seus limites mais extremos são as coisas mais absurdas que possa imaginar. Uma paixão à primeira vista que continua mesmo que se passem muitos meses. Porque há ocasiões em que paixões à primeira vista e outras emoções fortes e tonturas não vêm quando já há outra, às vezes, simplesmente, não se está para paixões.
Tenho te visto desde sempre, abaixei a guarda, não sabia a que me agarrar: o pânico havia me paralisado. Todavia não entendo porque algumas pessoas veem beleza aonde só vejo loucura, porque outras veem amor onde simplesmente visualizo uma via de escape baseado em apego a minhas proteções.
“O amor – dizia Pablo d'Ors – é pura e simplesmente confiança.
E prática, claro, porque a confiança também se exercita.”
Tenho medo de minhas emoções de amor/paixão porque em outras ocasiões em que confiei nelas fiz por pura necessidade de ter um chão debaixo de meus pés, e confundi confiar com precisar pertencer, e abusaram de mim de forma pouco poética: psicológica, física, brutal e genital. Não gosto de cair em vitimismos: apenas não sabia o que fazer em uma idade em que não sabia nem o que sentir em relação a mim mesma, em uma relação a uma orientação manchada pela misoginia.
Quando se tem fome, come-se até o que não deve. O amor não é violência, mas quando se está acostumada, nem se percebe. Porque você acredita que para continuar precisa do pior que possam te trazer as vivências.
Te ensinaram que amor é pertencimento, e você mordeu a isca e esteve presa em um anzol todo esse tempo, vivendo na crença de que amor era sofrimento e vergonha constante e que a dor era sintoma de que estava indo por um bom caminho; tudo que se pareça com a palavra ou com o significado que culturalmente foi construído, suas exemplificações e demais monstruosidades que fazem com que você deixe de existir em função de outros, te causando náuseas, te narcotizando. Repete tudo, e começa a questionar. Entende. Não quer voltar ao ponto que estava, jamais. Se esconde dentro de si, e o amor que sentia virou fobia do agora: mais que medo da outra, tem medo de si mesma. Nesse ponto em que vacila, esse ponto cego em que todo seu trabalho pessoal e interpessoal vai às favas você se envolve pelo seu direito a existir e se autorrealizar como mulher. Todos os discursos de gênero descarga abaixo. Todas as lições aprendidas que foram pelo ralo. Todo o progresso na lixeira da reciclagem. Tem medo se voltar e consertar a pele velha de cobra sob medida. Tem medo de volte a ser domada e domesticada agora que é livre sendo uma vagina selvagem.
Tem medo porque tem medo. Tem medo de voltar a ser menos você, e mais como era sua mãe.
Tem, enfim, medo do medo. Se não se autocontrolar e trabalhar justamente esse ponto, algumas questões não terão sentido. Porque ser experiente não é ter tido experiências, e sim ter tirado conclusões de si mesma das circunstâncias. E as 'de livro' não valem: as condutas se põem a prova atuando. Acreditar que não pode andar depois de suas pernas terem sido quebradas não te impossibilita de tentar de novo agora que estão perfeitamente cicatrizadas. Pouco a pouco, passo a passo. Não te julgue se seus joelhos começarem a tremer. Algumas emoções são simplesmente humanas, e não só as patológicas.
Não importa o quanto tem aprendido da ira, do medo, do patriarcado, de psicologia emocional, de consolidação da autoestima. Quando o medo atua não há nada racional, apenas essa parte ferida de ti. Desde a sua sombra. Mas você é mais forte do que o que te afeta.
Isso não depende de outra pessoa, apenas de você.
Pessoalmente, não sei o que quero, mas sei o que não quero.
O importante realmente é criar a própria definição de amor, fazendo uma desconstrução do estabelecido, e pra mim é o seguinte:
- Amor não é se limitar a outra pessoa e sim ser livre e deixar que a outra pessoa seja também.
- Amor não é medo, e sim uma adrenalina que sobe pelos ovários sendo um mesmo acorde o que sente em cada momento .
- Amor não é culpa, e sim auto questionamento.
- Amor não é uma relação de poder, e sim serem simplesmente diferentes e desfrutar dessas distinções sem necessidade de mudança.
- Amor não é prostituição emocional: se deixar foder por ter alguém que a abrace de noite não é amor, e tampouco é sexualidade.
- Amor não é negociar os limites de outra pessoa por própria conveniência, e sim compartilhar conjuntamente pontos em comum.
- Amor não é mudar para fazer com que você se sinta melhor, mas sim para nos permitir compartilhar o momento enquanto estamos bem, e nos desapegarmos quando já não tenha sentido seguir viajando juntas.
- Amor não é se presentear com objetos e sim com mimos, que realmente não presenteia, mas simplesmente expressa o que você sente.
- Amor não é servir, nem aceitar subestimações nem humilhações, nem sozinha nem com ninguém.
- Amor não significa que meu tempo nem meu corpo estão disponíveis quando você quer, e muito menos só pra você.
- Amor não é assumir que a expressão de amor das outras tem que ser como o amor que sinto dentro de mim.
- Amor é liberdade. Eu faço amor comigo mesma.
Liberdade é escolher aquilo que sente que é melhor pra ti dentre determinadas emoções, tendo suficiente critério para não andar buscando resposta nos outros e questionando aquilo que se mostra como perfeito, colocando em seu lugar.
Amar tem mais a ver com ter a possibilidade de soltar, perder o controle, colocar a carne em brasa, sabendo que em alguma ocasião algum meteoro vai cruzar meu caminho e vai perder tudo o que planejava. Tem que ter ovários para abandonar a esperança de que as coisas vão ocorrer como se gostaria, e se abrir para o que virá. Isso, supostamente, implica um trabalho pessoal.
E é com a prática que se pode obter conclusões por escolha própria.
Quer um conselho? (morro de ódio quando as pessoas me dão conselhos)
Desconstrua o amor romântico e não estigmatize a solidão: você não precisa de nada para ser feliz, ou se autorrealizar. Os vínculos não tem motivos para levarem implícitos nenhuma classe de relação/contrato psicológico.
E não se esqueça, as pessoas que ama são as que são, não as que queria que fossem. Se quer ser algo, constrói-te a ti mesma de forma carinhosa e minuciosa: te asseguro que é um processo maravilhoso e muito gratificante. Também, você é a pessoa dentro da qual irremediavelmente vai viver o resto de sua vida.
Busque-se, investigue-se, escute-se, tente se entender e compreender. Conquiste-se, questione-se, expresse seus sentimentos e emoções. Aceite-se, construa-se e reconstrua-se quantas vezes acreditar que for necessário. Decida sobre seu corpo, para além de rótulos, fazendo aquilo que sente e lutando para não ter que viver em um contínuo conflito para ser e permanecer livre no prazer da existência de seu corpo.
Nunca se renda. Resista, refaça-se, imagine, creia e se cuide.
Trate-se com carinho, e seja flexível consigo mesma.
E nunca jamais se deixe explorar. Em todos os sentidos.
Texto traduzido do site Proyecto Khalo, que também está presente no zine Permita-se.
http://www.proyecto-kahlo.com/2014/02/sexodelia/
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