Abusando da boa vontade de Moésio, divulgamos aqui mais uma reportagem da ANA - Agênca de Notícias Anarqusta. Dessa vez fala sobre um evento que houve no começo do ano no Uruguai, sobre Libertação Animal. Pessoalmente não fiquei sabendo do evento antes de ocorrer, e lendo esse relato me surpreedi com as dscussões novas e forma de realização do mesmo. Divirtam-se!
"O capitalismo foi atacado como grande explorador animal"
["O interessante do encontro foi que houve bastante crítica ao movimento de libertação animal", diz a jovem eco-anarquista Ellen Vicious, sobre o
1º Encontro de Libertação Animal, que aconteceu em Montevidéu, no Uruguai, em 22, 23 e 24 de janeiro de 2010. Leia abaixo a entrevista que ela concedeu à ANA a respeito deste evento.]
Agência de Notícias Anarquistas - O que te levou a participar do 1º Encontro de Libertação Animal em Montevidéu?
Ellen Vicious - Recebi a divulgação do encontro uns 8 meses antes do encontro, através de pessoas libertárias. Quando entrei no blog do encontro e vi as propostas de atividades já confirmadas me animei muito para ir, pois havia temas como "Autocrítica ao Movimento de Libertação Animal", "Libertação Animal e Anticivilização", oficinas diversas, "Bem-estarismo, Abolicionismo e Veganismo – a partir de uma postura anti-autoritária" que me interessavam bastante. Entrei em contato com o/as organizadore/as para propor uma oficina/bate-papo e começamos a trocar várias idéias, então descobri que este/as organizadore/as tinham bastante coisas em comum com minhas aspirações políticas; confesso que isso foi muito importante para fortalecer minha vontade e planejar a ida ao encontro.
Anteriormente de ir ao encontro no Uruguai estive na Argentina e no Chile, e nesses lugares estivemos com várias pessoas bastante interessantes que manifestavam interesse em ir ao encontro; isso também me motivou a ir.
ANA - Onde foi realizado o encontro? Muita gente participou? De que lugares?
Ellen - Por alguns motivos, o lugar do encontro teve que ser mudado uma semana antes de sua realização. Um grupo de pessoas anarquistas muito especiais se solidarizou com o encontro e disponibilizou sua casa/terreno para que ele acontecesse. Esta casa fica no município de Canelones, próximo à Montevidéu. Esta casa foi alugada, e posteriormente comprada, para moradia e realização de atividades sócio-ambientais com a comunidade; lá funciona uma horta e um espaço onde as pessoas podem propor e organizar atividades.
A princípio haviam 150 pessoas já confirmadas, de toda América Latina. Porém, por esse inconveniente muita gente desistiu de ir. Ao longo dos 3 dias de encontro, fomos 100. Haviam pessoas de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, México, Colômbia e Bolívia.
A organização da cozinha, da limpeza e do espaço foi feita pelo/as próprio/as participantes voluntariamente; para que não sobrecarregasse ninguém e que todo/as pudessem ajudar sem perder as atividades, fizemos um quadro com os horários e tarefas que deveriam ser feitas e quantas pessoas seriam necessárias, assim quem quisesse colocaria seu nome na tarefa que gostaria de realizar, no horário sugerido, e se juntavam para fazê-la.
ANA - E a participação das mulheres foi grande?
Ellen - Sim, havia um equilíbrio no número de participantes. Muitas meninas participavam e opinavam nos debates, embora eu ainda notei maior intervenção vinda dos meninos. Porém, em atividades de limpeza e cozinha sempre tinha a presença masculina.
ANA - E as crianças...
Ellen - Infelizmente não rolaram atividades exclusivas para crianças. Havia 3 crianças: uma bebê de uns 7 meses, outra de 4 meses, e outra de 1 ano. Das três, apenas uma é vegana, as outras meninas são vegetarianas. Nas conversas “paralelas”, puderam trocar experiências sobre as crias; eu gosto bastante de crianças e estava sempre perto delas ouvindo sobre suas criações e perguntando várias coisas também. (risos)
ANA - Participaram do encontro pessoas de várias idades?
Ellen - Sim, houve participação de pessoas com idades e experiências variadas.
ANA - E quais as principais temáticas abordadas no encontro?
Ellen - A princípio haviam sido propostos uns 10 temas. Os temas propostos, confirmados e realizados foram: “AutoCrítica ao Movimento Vegano/de Libertação Animal” (foram divididos grupos de debate: "Pseudoargumentos", "Leis e Mercadoria", "Ação Direta e Espetacularização", "Animais de Estimação"); “Libertação Animal e Meios de Comunicação Alternativos”; Bate-papo sobre “Permacultura, Transgênicos e Libertação Animal”; “Veganismo, Dogmatismo, Purismos e as Contradições do Mesmo na Sociedade”; “Ecofeminismo e Libertação Animal”; e muitíssimas conversas paralelas e trocas de receitas. (risos)
Em todos os debates quase todas as pessoas presentes participaram, e rendeu bastante conversa. O interessante do encontro foi que houve bastante crítica (como se nota nos temas das conversas) ao movimento de libertação animal, saindo do costume de falar do orgulho de ser vegano, e passar a ver outras possibilidades de ação, o envolvimento do veganismo em outras lutas sociais, etc.
ANA - Destacaria alguma discussão?
Ellen - Não descartaria nenhuma. Em várias tiveram pontos conflitivos, o que foi bom, porque a proposta do encontro era de não criar consenso sobre tudo. Afinal, só na tensão surgem coisas.
Me lembro bem de um grupo de discussão que participei, onde o tema era “Mercadoria e Lei”. Haviam pessoas totalmente contra o uso do recurso legalista como ferramenta pela libertação animal, e argumentavam que o Estado dá leis somente quando lhe convém, portanto é um reformismo que não interessa ao movimento para alcançar uma mudança significativa; e haviam pessoas que sim usavam essa ferramenta e achavam muito importante para a diminuição imediata da exploração animal.
Outra discussão “acalorada”, foi sobre os purismos do veganismo em relação à reciclagem. Por exemplo, consumir ou não produtos de origem animal sendo eles encontrados no lixo.
ANA - E qual o balanço que você faz dessa jornada? Como vivenciou essa experiência e que impressões levou do evento?
Ellen - Tentei participar de todos os debates, além das tarefas do lugar, conhecer gente de tantos lugares, trocar e conhecer muitos materiais, informativos, coletivos, etc.
Realizar e participar de encontros são muito importantes, pelo simples fato de encontrar-se, de criar espaços de discussões, onde pessoas possam se olhar, escutar experiências alheias, fazer uma auto-avaliação, perceber o quão diferente uma mesma idéia pode ser entendida e praticada de várias maneiras e lugares tão diferentes.
Confirmei minha impressão de que o movimento de libertação animal precisa amadurecer bastante nesse âmbito da crítica ao modo de vida pós-industrial.
Na assembléia final, algumas pessoas manifestaram o interesse de realizar um 2º encontro futuramente (a Bolívia é forte candidata!), para seguir levantando questões e crescendo como movimento, sem perder o viés político do veganismo. Nenhum manifesto, informativo, ou panfleto foi editado coletivamente após o encontro, e não foi tirado nenhuma tarefa ou acordo.
ANA - Este evento teve um caráter mais ativista, sem hierarquias, e não de especialistas, acadêmicos, certo? (risos)
Ellen - Exatamente. (risos) Desde o início foi divulgado de uma maneira bem diferente de Congressos, Festivais e encontros que vemos por aí. Não havia taxa de inscrição, não havia apresentação de grandes teses de doutorado, não havia grandes e caros banquetes veganos, nem sugestão de hotel para dormir. Acho que isso influenciou para que muito/as intelectuais da libertação animal não tivesse interesse em participar.
ANA - E o anticapitalismo permeava as discussões?
Ellen - Sim, muitas vezes o capitalismo foi atacado como grande explorador animal, porém as discussões estavam bem lúcidas; se criticou o capitalismo verde e a possibilidade do próprio capitalismo se tornar livre da exploração animal, com esse possível novo nicho de mercado.
Muitas vezes se criticou o consumismo vegano (e orgânico também), essas novas marcas de produtos “livres de crueldade” que enchem as prateleiras dos supermercados de classe média alta, desde tofu até shampoo; questionou-se o valor que um/a produtor orgânico precisa pagar para obter um selo de orgânico, ou até mesmo que uma produção orgânica pode ser uma monocultura com trabalhadore/as explorado/as.
ANA - Houve algum problema com a repressão estatal antes e durante o encontro?
Ellen - O encontro aconteceu tranquilamente sem nenhum problema externo, todas as atividades aconteceram como antes planejadas. A organização local do encontro teve um problema bastante tenso uma semana antes do encontro. O dono da chácara onde se iria realizar o encontro recebeu a ilustre visita de um investigador da Interpol, fazendo perguntas à mãe do rapaz e vasculhando a casa, pois o mesmo não se encontrava. Com uma intimação deixada por esse investigador, ele se dirigiu até o escritório da Interpol em Montevidéu, onde foi interrogado. A Interpol queria saber se o rapaz sabia fazer bombas, porque este encontro ia ser realizado em sua propriedade, quantas pessoas viriam, se ele conhecia integrantes da ALF (tinha uma lista de 200 nomes de pessoas de todo mundo, perguntando insistentemente sobre pessoas de São Paulo e Espanha); o rapaz insistia que não sabia de nada disso, que o encontro não tinha nenhuma intenção de promover ações diretas violentas, que a intenção não era mais que a de promover um encontro com debates, oficinas, etc. Os investigadores liberaram o rapaz sem conseguir dele muita coisa, e não voltou a incomodar ninguém, nem mesmo durante o encontro.
Devido a esse grande inconveniente, esse rapaz desistiu de emprestar sua chácara (gerando todo o problema descrito acima), cancelando assim, o lugar antes confirmado para o encontro, diversas oficinas e debates e participantes do encontro.
ANA - Para finalizar, alguma história engraçada para contar deste evento?
Ellen - Muitas vezes era engraçado quando tinham grupos de brasileiro/as, chileno/as, argentino/as e uruguaio/as conversando. A quantidade de sotaques, gírias e línguas tentando se entender. Algumas pessoas não acham isso engraçado, mas eu achava e me divertia bastante com isso!
ANA - Mais alguma coisa?
Ellen - Bom, o encontrou resultou em uma série de atividades que estamos organizando em Santo André, São Paulo e Belo Horizonte, em formato de traduções, debates, conversas, etc. Como já disse, a importância que tem o fato de encontrar-se, questionar-se, topar-se com outros pontos de vista, para assim criar os conflitos e dúvidas que nos fazem avançar. Espero que cada vez mais as pessoas saiam de suas bolhas e expressem, compartilhem e debatam idéias.
agência de notícias anarquistas-ana
O espantalho
Stefan Theodoru