CONCEITO
- A vaquejada consiste em um vaqueiro competidor e outro auxiliar correrem a cavalo atrás de um boi para o competidor puxar a cauda deste e o boi cair levantando as quatro patas dentro da linha de limite estabelecida na arena.
- Para que o boi, como sendo um animal dócil e vagaroso, comece a correr em fuga na arena, são necessários métodos que lhe causem desespero e medo de predação iminente. Entre esses métodos, um exemplo é o encurralamento. Aplicações de socos e chutes nos bois já foram noticiadas por defensores dos animais.
- Os cavalos também costumam sofrer perturbações de agitação comportamental e escoriações: são fustigados com chibatas de couro e incitados a correr mediante golpes de esporas fixas nas botas do vaqueiro.
CONSEQUÊNCIAS FREQUENTES NAS VÍTIMAS (BOIS)
Essas conseqüências não são vistas ou flagradas em todos os eventos, mas costumam acontecer com notável freqüência.
- Fraturas nos ossos traseiros que sustentam a cauda
- Lesões sérias na medula espinhal, com casos não-raros de comprometimento de seu funcionamento nervoso
- Casos não muito raros de mutilação da cauda devido à força do puxão pelo vaqueiro
- Lesões e luxações em vértebras
- Traumatismos em partes diversas do corpo, especialmente nas patas
- Lesões em órgãos internos
- Fraturas nas patas quando do momento da queda
DETALHES ADICIONAIS
- Foram relatados muitos casos em que os chifres das vítimas são serrados com serrotes de marceneiro e sem anestesia, causando sangramento nos chifres cujas pontas foram arrancadas.- Casos de má alimentação são relatados com freqüência. Alguns casos parecem propositais para deixarem as vítimas menos pesadas e mais fáceis de serem derrubadas, apesar de algumas vaquejadas de grande porte não aprovarem essa prática.
- O julgamento de avaliação do desempenho dos vaqueiros costuma ser feito com o boi em pé, mas os próprios organizadores de vaquejadas admitem que muitos animais ficam incapacitados de se levantar para esse julgamento.
- Em muitas competições, o animal vitimado ainda é um novilho, um bovino “adolescente” que ainda não tem o porte forçudo do boi adulto.
EXPLORAÇÃO E AGRESSÃO
O uso de animais, incluindo sua perseguição e judiação, como instrumentos de entretenimento caracterizam exploração animal.
A perseguição do boi e o puxão da sua cauda caracterizam agressão, da mesma forma que puxar com força e agressividade cabelos de uma pessoa. Caso humanos tivessem cauda, o hábito de puxá-la com intenção maldosa para derrubar a pessoa no chão caracterizaria agressão ou mesmo lesão corporal.
VAQUEJADA E ESPECISMO
É importante expor primeiro o que é especismo, termo ainda desconhecido da maioria das pessoas: é o ato de o ser humano arrogar para si o atributo de superior às demais espécies de animais e, aproveitando-se disso, negar aos outros animais o direito à vida, à liberdade, à dignidade e ao bem-estar e explorá-los a seu bel prazer, muitas vezes com requintes de maldade, crueldade e aparente sadismo.O especismo não é quase nada diferente do racismo, da xenofobia e da homofobia. A única diferença é que, enquanto nesses três casos quem tem seus direitos naturais e jurídicos negados pelo lado agressor são humanos respectivamente com fenótipos “raciais”, nacionalidade ou orientação sexual diferentes dos agressores, no especismo as vítimas são os animais não-humanos castigados e explorados, “punidos” pelo “crime” de não terem nascido humanos.
Também caracteriza especismo a acepção e segregação de espécies por preferência carismática dos humanos. Por exemplo, é especista a pessoa que estima, ama e defende cães e gatos enquanto mata, come ou explora bois e galináceos.
Caracteriza especismo infligir aos animais não-humanos atos que seriam considerados abomináveis caso fossem infligidos em humanos.
Alguns exemplos de atos especistas, todos recheados de crueldade:
- Utilizar animais como fontes de matérias-primas e produtos alimentícios. Isso não soa abominável para os especistas, é até considerado supernormal e corriqueiro, mas estes abominariam o caso de serem utilizados humanos para se obter carne, leite (em caráter industrial não-maternal), pele e gordura de seus corpos, por exemplo;
- Utilizar animais em atividades de tração e força física com a imposição de dominação e açoites ao animal. Os especistas de hoje considerariam a tração humana escrava usada para mover carruagens e liteiras tal como era feito em épocas antigas remotas uma abominação;
- Usar animais como instrumentos provedores de entretenimento e pseudoesporte. Nenhum especista gostaria de ver “espetáculos” em que, por exemplo, homens sob tortura disputassem quem resistiria por mais tempo a agressões lancinantes, ou homens a cavalo disputassem quem puxaria o cabelo de uma mulher em fuga numa arena para derrubá-la no chão. Também nenhum especista dos dias de hoje admitiria “espetáculos” de “domação” de humanos de tribos primitivas subjugadas e capturadas;
- Impor e infligir a animais testes científicos primários de produtos como cosméticos ou medicamentos. Especistas normalmente só convocam humanos para testes quando o produto já está em versão beta, considerada segura, depois de versões alfa já terem ferido, cegado, queimado ou causado outros problemas graves em animais não-humanos nos testes.
- Aprisionar, em cárcere ou cativeiro, animais para fins de estimação, como pássaros, camundongos e peixes “ornamentais”. Nenhum especista admitiria aprisionar humanos escravos para estes lhe garantirem “estimação” e “afeto”, mas acharia totalmente normal aprisionar aves e peixes com o mesmo intuito.
- Vender animais para fins de estimação, ainda que sejam espécies carismáticas como cães e gatos, ou “utilitárias”, como o caso de cavalos e bois. Os especistas abominam e criminalizam o tráfico de seres humanos, mas consideram muito normal o de animais não-humanos.
Não caracteriza especismo, no entanto, matar vermes e microorganismos patológicos, ainda que pertencentes ao reino animal, por questão de sobrevivência e erradicação de doenças.
Também não é especista o ato de abater por legítima defesa uma fera que atacasse a pessoa sem que houvesse possibilidades de ambos os lados permanecerem vivos após a tentativa de predação, uma vez que não caracteriza exploração de animais indefesos.
Também não caracteriza especismo cuidar de animais domésticos, tais como cães e gatos, desde que os objetivos fundamentais desta tutela tenham sido, interdependentemente, libertá-los do abandono, do cárcere ou da iminência de morrer em um centro de controle de zoonoses, em vez de direcionar suas vidas ao fim estrito da servidão afetiva, e lhes sejam garantidos liberdade, dignidade e bem-estar acompanhados de legítimo amor.
Agora a pergunta: por que vaquejada também é especismo?
Vaquejada consiste em explorar os bois, mediante o infligir de medo e desespero nesses animais, para o entretenimento dos vaqueiros competidores e do público apreciador.
Vaqueiros, organizadores de vaquejadas e o público apreciador do evento arrogam para si a superioridade ante os bois e, com esse atributo forjado, sentem-se no poder de explorá-los e judiá-los.
Os cavalos também são explorados, são vistos apenas como instrumentos que integram a vaquejada, como coisas passíveis de compra e venda, mercadorias. Costumam ser traficados como, por exemplo, “cavalos ótimos para vaquejadas”. Têm sua vida e dignidade reduzidas a atributos de um carro de alta velocidade. Com o agravante de serem esporados pelos vaqueiros que querem mantê-los rápidos.
Bois são tratados como brinquedos de derrubar, como joões-bobos. Cavalos são tratados como carros de alta velocidade. Não são vistos como seres vivos dotados de sentimentos, como animais merecedores de dignidade, mas como objetos “esportivos”, como instrumentos de competição.
Seres humanos jamais seriam tratados do mesmo jeito por esses especistas. Eles alegam pertencer a uma sociedade que evoluiu, mas não consideram que a exploração dos animais, com aqueles mesmíssimos métodos e coisificações de que os exploradores antigamente lançavam mão em prol do abuso de humanos escravizados antigamente, é um atraso, uma chaga anacrônica na ética de seu povo, um ato bárbaro e covarde que também deveria ser rebaixado ao escaninho de barbáries do passado a que pertencem a escravidão e as bênçãos religiosas à guerra.
E outro motivo é percebido quando comparamos os bois vítimas com humanos perseguidos numa competição de igual sadismo. Os especistas jamais tolerariam a existência de uma competição, mesmo sendo considerada “cultura” ou “tradição”, em que homens a cavalo, em competição um contra o outro, perseguissem um escravo de cabelos longos em desesperada fuga para o melhor competidor puxar o cabelo do escravo e arrastá-lo ou derrubá-lo no chão a uma velocidade de no mínimo 15 quilômetros por hora.
O PRETEXTO DA CULTURA E TRADIÇÃO
A vaquejada é considerada pelos vaqueiros, pelos organizadores de vaquejadas e pelos apreciadores do “esporte” um evento que preza pela cultura interiorana nordestina e pela tradição dos vaqueiros da região.No entanto, se formos ver o passado, a história da humanidade, veremos que inúmeros atos que hoje são considerados cruéis e abomináveis eram considerados em normais e prezados na cultura e tradição em sua época. Três exemplos internacionais podem ser citados:
- A própria ESCRAVIDÃO era normal e fazia parte da cultura de quase todas as civilizações urbanas e rurais do mundo antigo. Até a segunda metade do século 19, a escravidão dos negros era algo corriqueiro e totalmente tradicional para o povo. As feiras de tráfico de escravos, então, eram lugares de renovação e perpetuação dessa cultura. Ai que quem vier nos dias de hoje defendendo a legalização da escravidão de negros como “retomada das tradições clássicas do povo brasileiro”. Simplesmente estaria em sérios apuros com a polícia e até mesmo com os detentos do presídio para onde seria encaminhado.
- Os SACRIFÍCIOS HUMANOS eram algo ainda mais que cultural e tradicional: eram sagrados. Jovens, de adolescentes virgens até mesmo crianças e bebês, eram esfaqueados em altares para que seu sangue descesse o altar e “nutrisse a terra”. Muitos tinham seu coração arrancado ainda batendo. E ninguém nem sonhava com anestesia na época! Para os povos que praticavam esses sacrifícios, o sangue alimentava os deuses ou então o sol, neste caso para que o astro continuasse brilhando perpetuamente. Ai daqueles que aparecessem na frente do templo protestando contra esses atos, dizendo que era crueldade. Quem fizesse isso seria executado por blasfêmia e ofensa aos deuses! Hoje nem precisamos dizer como seriam vistas cerimônias de sacrifício humano. A polícia levaria todo mundo em cana por homicídio qualificado.
- O costume de ELIMINAR A VIDA DE BEBÊS DEFICIENTES também era uma tradição corriqueira em muitos povos da Antiguidade. Eliminava a “massa onerosa” do povo; ninguém, nenhum Estado, queria sustentar uma nação com várias pessoas deficientes, inabilitadas para o trabalho braçal que sustentava os pilares de seu povo. Hoje, ninguém de sã consciência desejaria entregar seu filho com paralisia cerebral ou com mutilação congênita para alguém matar.
- Existia em Esparta, na Grécia Antiga, um sistema chamado CRÍPTIA ou CRIPTÉIA: soldados adolescentes, para serem promovidos a guerreiros adultos, eram submetidos ao fardo de perseguir e matar o máximo possível de escravos soltos, chamados hilotas, na cidade. O fato de matar os escravos era visto como o comprovante de que os adolescentes estavam aptos para aderirem ao nobre exército espartano. Isso era visto, imagine... como cultura e tradição.
- Já na Índia clássica, existia, e ainda hoje faz-se ilegalmente vigente, a segregação oficial da população em CASTAS. Os monges bramanistas, os filósofos e os professores ocupavam a mais alta casta (chamada Brahmin). Nas castas abaixo da Brahmin, estavam em ordem decrescente os governantes, os militares, os comerciantes, os fazendeiros, os artesãos, os operários e finalmente os camponeses. Abaixo da estratificação de castas, existiam os párias, ou intocáveis, que eram discriminados, segregados e excluídos pelo povo de uma forma quase “racista”. Essa segregação era parte da cultura indiana. Era uma tradição milenar. Ainda hoje, muitos indianos ainda discriminam e segregam as pessoas da subcasta pária. Tudo escrito na bandeira da cultura e da tradição.
Como se vê nos cinco exemplos acima, cultura e tradição nem sempre são algo bom e admirável. Nesses pontos, coisas inofensivas como carnaval e futebol estão no mesmo patamar de cultura e tradição que sacrifícios humanos e segregação social por castas. A diferença é que os dois primeiros são por definição inofensivos e admiráveis, e os dois últimos são vistos hoje como ruins e abomináveis. Mas todos são culturas e tradições.
Com isso tudo, chega-se à pergunta: será que devemos preservar as coisas, por piores e mais abomináveis que sejam, só porque elas são “cultura e tradição”?
Será que nossa sociedade tem que respeitar a vaquejada, mesmo ela, por definição, sendo cheia de crueldade e exploração, só porque é algo da “cultura e tradição” nordestina?
Nenhum comentário:
Postar um comentário