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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Crônica do Queer Festival de Copenhague

Crônica do Queer Festival de Copenhague
[O anarquista espanhol, de Madri, Pablo Marco, participou da última edição do Queer Festival de Copenhague, na Dinamarca, que aconteceu de 26 de julho a 1 de agosto. O festival é marcadamente libertário e conta com a participação de vários anarquistas, embora nem todos que participem do encontro sejam anarquista. A seguir um relato que ele nos enviou a propósito desta jornada "rebelde e erótica".]
Buenas! 
Este verão estive em um dos eventos mais excitantes, interessantes e participativos que ocorre na Europa ao longo do ano. Trata-se do Queer Festival de Copenhague, onde, há seis anos, acontece a celebração deste encontro, que reúne teoria política, diversidade e muita sensualidade em todos os sentidos.
O Queer Festival é um espaço de reflexão e debate sobre teoria Queer, que defende, em curtíssima explicação, a desconstrução do sexo e a completa liberdade sexual. O encontro busca criar durante uma semana um espaço seguro para todas as tendências sexuais, onde a diversidade e o respeito são valores fundamentais. Além disso, este espaço é ancorado na auto-organização, na auto-gestão e na autonomia, seguindo o espírito "Do it yourself" [faça você mesmo]. É um festival em que a participação de todo/as o/as assistente/as na organização é uma constante. Por uma semana inteira eu vivi em um ambiente de liberdade, respeito e, acima de tudo, segurança.
O festival foi realizado no espaço "Floting City", uma espécie de centro social cujo principal projeto é construir uma cidade flutuante auto-suficiente. O espaço consiste em vários hangares, e foi substancialmente alterado para acomodar o evento. Tudo começou em 26 de julho, mas as pessoas começaram a chegar alguns dias antes, para preparar o encontro, conhecer e ver a cidade. Essa segunda-feira, quando o festival deu o pontapé inicial, havia cerca de 300 pessoas dispostas a compartilhá-lo durante uma semana de experiências, troca de idéias, conhecimentos e sexo! A essas pessoas teriam que se somar tantas outras que vinham esporadicamente participar de alguma das atividades ou das festas noturnas.
O festival começou com um saboroso almoço e uma reunião para coordenar todas as atividades que iam ser desenvolvidas durante a semana, revisar os espaços onde iriam acontecer as atividades, da qualidade, conforto, normas de convivência etc. Estas normas foram compiladas em um fanzine que era entregue em um estande de informações na entrada do festival. Neste zine te explicavam os valores em que se armava o festival, as dinâmicas que não queríamos que se reproduzissem no espaço, a forma de organização e como você podia participar em cada uma das comissões do festival (cozinha, resolução de conflitos, coordenação, informações sobre o festival...) e informações sobre as áreas de dormir, lavar roupa, tomar banho, fumar (isso realmente me surpreendeu, porque não podia fumar em qualquer espaço interior, seja nas festas, shows ou se nevasse na rua, por respeito aos não fumantes), para cagar ou urinar e até para transar (um grande Sex Space [espaço do sexo], que, de acordo com o passar do tempo, era decorado e preparado para o apogeu do último dia, que falarei mais a frente). Ademais, havia a possibilidade de pegar e construir bicicletas numa loja de reciclagem, para que o/as participantes pudessem se locomover pela cidade.
Algo que me encantava era a flexibilidade das atividades. O pessoal da organização do festival não tinha elaborado um programa com horários pré-estabelecidos, mas o programa foi sendo desenvolvido e criado entre todo/as, dando espaço para que outras pessoas pudessem propor outras atividades não pré-programadas. Assim, existiam seis espaços para oficinas e palestras, três espaços para espetáculos de qualquer espécie (performances, shows, strip-tease etc.) um espaço para disfarce, maquiagem etc. Espaços que você podia preencher com atividades que desejasse levar a cabo, mas sempre e quando estivesse disponível, marcando nas placas de atividades junto à sala de jantar. Foi realmente incrível a variedade de atividades, desde as discussões com escritore/as, oficinas de fabricação de chicotes com materiais reciclados; desde bailes picantes a oficina de tatuagem, passando pelos espetáculos de hip hop e oficinas de estimulação corporal... Muitas vezes era impossível de participar de todas as atividades, pois elas se sobrepunham.
Todos os dias havia almoço e jantar a vontade, tudo feito com alimentos orgânicos e completamente vegan (embora muito apimentado para o meu gosto). Além disso, todos os dias acontecia uma reunião de avaliação para analisar as atividades, a organização e os conflitos que porventura tivesse acontecido. A loja de bicicletas ficava aberta 24 horas, o que permitiu que dezenas de bicicletas fossem fabricadas. Finalmente, ao fim de cada jornada, o bar era aberto e começava a festa (que tampouco era muito careta como uma regra geral), que costumava ter DJs, shows e performances, e o resultado era uma trilha sonora agradável no Sex Space. De acordo com o seu slogan de "sexo seguro é definitivamente sexo quente" havia um fornecimento constante e gratuito de preservativos, lubrificantes e luvas de látex para o/as mais puro/as (estou me referindo às luvas de látex, não saqueis conclusões equivocadas).
Uma atividade digna de recordação foi o cabaré de quinta-feira, que era em um formato de festa de gala, apresentada por duas drag queens, com fragmentos de um filme que tinha sido gravado para a ocasião e a realização de um grande número de performances que iam desde shows de humor a danças eróticas. Fiquei surpreso com a qualidade do show, a sua duração (três horas) e seu alto teor político. Esse show foi o ponto culminante do dia, que já tinha me deixado boquiaberto anteriormente com uma série de filmes queer que havia sido projetado naquela tarde, cujo/as o/as diretore/as, roteiristas etc. estavam presentes e organizando o festival.
Por último, cabe destacar a despedida do festival através da Sex Party [festa do sexo] na noite de sábado. Esta festa, totalmente sexual, me surpreendeu também pela forma como ela aconteceu. Aquela noite começou com uma festa normal, com algumas atuações leves etc, mas durante todo o dia (e durante toda a semana) eram feitos os preparativos finais do Sex Space. A festa do lado de fora bombava, mas na entrada do Sex Space começou a se formar uma fila para entrar. Na entrada, uma equipe de segurança formada pelos participantes do festival te explicava as normas do espaço em que pretendia entrar. Coisas como perguntas antes de agir, respeito aos temas dos espaços e aos que estão dentro deles, se fosse agredido chamar alguém do grupo de segurança, enfim, não fazer nada que você não queira fazer... Antes de entrar, um formigamento, um suspiro e caí pra dentro. No piso térreo havia uma pequena pista de dança para estabelecer um primeiro contato, onde um DJ ameniza a festa, uma área para homens, uma área de sexo grupal, uma área mista e uma zona de sado. No piso superior ficava a área "chill out" (para inclinar-se, tocar, beijar etc., mas não para fazer sexo), um espaço para as mulheres e uma área para transexuais.
Enfim, tire suas próprias conclusões, mas esta experiência é para ser contada. Agora eu tenho que estudar e trabalhar, mas se der no próximo ano estarei lá novamente.
Abaixo deixo o link do festival caso alguém queira participar no próximo ano, ou simplesmente por curiosidade. Também deixo links de coletivos LGTB de Madri, se você se interessa pela teoria queer, liberação sexual etc.
Saúde, anarquia e muito sexo!
Pablo Marco
agência de notícias anarquistas-ana
Caquinho de Lua
Sorri pra mim lá no céu
retribuo daqui
Ada Gasparini

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